O
filme “Apocalypto” é dividido em três grandes períodos e o ‘desfecho
arrebatador’, sendo que o primeiro período abarca vida tranqüila de um povo
primitivo que sobrevive basicamente da caça; o segundo marca a ruptura da
tranqüilidade, a invasão da aldeia por Indígenas belicosos; O terceiro
corresponde ao contato entre esses dois ‘povos primitivos’, a vitória dos
invasores, a jornada dos prisioneiros a caminho do desconhecido, e a fuga de
Jaguar Paw, o protagonista. O desfecho acontece com a chegada dos espanhóis,
terminando exatamente neste ponto.
A obra analisada busca retratar as civilizações pré-colombianas da América Central, mas precisamente os Maias, embora isto nunca fique explicitado. Faz isso por meio de uma história repleta de ingredientes atrativos ao público alvo, contém: ação, romance e novidade. E embora seja inegável que houve alguma pesquisa histórica para a construção do filme, não há compromisso com o saber histórico, o que percebemos é uma miscelânea de informações e alguns anacronismos.
O filme Inicia-se com uma citação do filósofo, historiador e escritor Will Durant sobre Roma, referindo que uma civilização só é conquistada do exterior quando já se destruiu a si mesma. Este início convém para justificar a vitória dos espanhóis, parecendo assim que as Civilizações indígenas estavam enfraquecidas, principalmente pelas guerras inter-tribais.
O enredo central é a história de um jovem indígena, denominado Jaguar Paw, que ao perceber a sua aldeia atacada por um grupo de guerreiros, consegue proteger sua família, mulher grávida e o filho pequeno, por meio de uma ação instintiva. Coloca-os escondidos dentro do poço vazio da aldeia, porém por se profundo, este local em um primeiro momento protege e depois se transforma em uma prisão perigosa, pois eles não conseguirão sair e a chuva poderá matá-los afogados. Jaguar Paw é capturado, mas luta heroicamente por sua própria vida, pois dele dependeria a sobrevivência daqueles que ama e que deixou para trás.
Neste filme fica claramente marcado o maniqueísmo, o bom, Jaguar Paw era um homem de família, sendo: um bom filho, bom marido e bom pai. Também era trabalhador e pacífico, possuía todas as características de um cristão, mesmo sem conhecer a ‘verdadeira religião’. Contra o mau, os guerreiros Maias, caracterizados como violentos, bárbaros e possuidores de uma religião insana.
No decorrer da trama, ao serem capturados os indígenas da tribo de Jaguar Paw são levados prisioneiros pelos vencedores. Quando termina o trajeto, chegam a uma cidade em construção, onde os melhores homens são separados para serem sacrificados em honra ao deus sol Kulkulkan, e os demais prisioneiros servirão de escravos. Durante o ritual de sacrifício não há explicações, o expectador leigo não conseguirá discernir o significado do sacrifício, nem compreender a visão indígena, segundo a qual o sangue acalmaria a ira do grande deus e abrandaria os castigos imputados por ele sobre a agricultura maia. Entenderão estas cenas como exemplos da barbárie daquele povo e verãos os espanhóis como aqueles que introduziram a verdadeira religião, livrando os indígenas da vida de horrores que levavam. Talvez seja este o verdadeiro ‘novo começo’ que o título ‘Apocalypto’ se refere.
Outro elemento que contribui para que haja um entendimento deturpado da civilização Maia é a imagem anacrônica do cemitério dos sacrificados, enormes valas em que os corpos decapitados ficam expostos, similares aquelas imagem de montanhas de corpos do holocausto. Isto não corresponde ao que de fato acontecia, os corpos não eram alocados em valas comuns, e sim enterrados ou atirados as cavernas naturais, lugares sagrados para a religião Maia.
O jovem Jaguar Paw é salvo ‘milagrosamente’ pela ocorrência de um eclipse bem no exato momento que seria sacrificado, os Maias assombrados interpretaram este sinal da natureza como mensagem que o deus estava satisfeito e o derrame de sangue deveria ser interrompido. Este ponto também é passível de crítica, pois este povo possuía conhecimento de astronomia e sabia da existência dos eclipses, portanto não ficariam tão assustados com a ocorrência de um.
Apocalypto é um filme comercial, busca temas que rendam bilheteria e, por conseguinte lucro, isso talvez explique o porquê do filme se centralizar na questão da violência e esquecer a riqueza de abordagens possíveis sobre os Maias, que apesar de aparecerem como povo mais avançado em relação às outras aldeias, não há referencia sobre a agricultura, a construção das pirâmides, o desenvolvimento de um sistema de escrita, a forma de calendário e a astronomia sofisticada deste povo. A religião embora enfocada, aparece de forma estereotipada e desprovida de um significado plausível.
Todavia não negamos os méritos do filme, as roupas, as tatuagens, os adornos usados na cabeça, o dialeto utilizado, o ambiente, forma um quadro que interpretados corretamente poderão denotar uma imagem próxima do ‘real’. Entretanto estes elementos não são explorados na trama e poucos os expectadores que entenderão os seus significados.
Este filme apresenta uma história dos mais fortes subjugando os mais fracos, primeiro os maias vencem e dominam os povos menos desenvolvidos, depois virão os espanhóis, que por serem civilizados e ‘superiores na técnica e na cultura’ dominarão a todos.
Texto Disponivel em:
Tetê
Castilho